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Sou Tânia Rabello, jornalista especializada em agricultura e apaixonada por meio ambiente. Só podia dar nisso: um blog sobre agricultura orgânica. Com requintes de sustentabilidade!

Nova feira no Largo da Batata (orgânica!)

Frutas e legumes orgânicos. E também batata na nova feira orgânica

Frutas e legumes orgânicos. E também batata na nova feira orgânica. FOTO: PREFEITURA DE SÃO PAULO

Parece que São Paulo finalmente começou a despertar para os alimentos orgânicos. As mais recentes notícias deste blog anunciaram a criação de mais uma feira orgânica – no Shopping Villa-Lobos – e a permanência da Feira do Modelódromo, no Parque do Ibirapuera.

Agora, outra boa notícia: começou a funcionar, no dia 27 de agosto, mais uma feira orgânica na capital paulista, desta vez no Largo da Batata, em Pinheiros, na zona oeste. A feira dos produtores orgânicos do Largo da Batata, chamada de Quarta no Largo, é promovida pela própria Prefeitura de São Paulo, que quer incentivar a produção e o consumo de orgânicos no município, e conta com dez barracas de produtores orgânicos certificados.

Os produtos à venda são hortaliças, frutas, legumes, massas, pães e laticínios e que comparecer à feira ainda terá o prazer de degustar um café da manhã totalmente orgânico em uma das barracas.

A feira orgânica do Largo da Batata funciona todas as quartas-feiras, das 7h ao meio-dia, no próprio Largo.

Agora São Paulo conta com oito feiras 100% orgânicas. Um número ainda baixo. Curitiba, por exemplo, que tem população quase dez vezes menos do que a capital paulista, dispõe de 13 feiras orgânicas e mais um mercado municipal exclusivo para alimentos orgânicos.

Feira do Modelódromo fica e abre frente para outras feiras orgânicas em espaços públicos

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Feira do Modelódromo no dia do passeio ciclístico, que terminou em café da manhã. Cartaz #afeirafica, do movimento orgânico. FOTO: BIKE ANJO

Seja pelo fato de ser ano eleitoral ou não, a pressão pela permanência da Feira do Produtor Orgânico do Modelódromo, no Parque do Ibirapuera, na zona sul da capital, acabou surtindo efeito. Os organizadores da feira e os produtores orgânicos – vários deles do extremo sul, no Bairro de Parelheiros, área de mananciais – fizeram um abaixo-assinado que reuniu quase 5 mil assinaturas; foram à Câmara Municipal oferecer seus produtos  aos vereadores; montaram a feira do lado de fora dos portões – trancados – do Modelódromo e até promoveram um passeio orgânico-ciclístico no dia 16 de agosto, cujo roteiro passava por várias hortas orgânicas instaladas em praças públicas do município e terminava com um café na feira do Ibirapuera.

O passeio ciclístico – idealizado pelo Instituto Kairós e pela Bike Anjo – que inicialmente seria para chamar a atenção para a importância da feira e reivindicar sua continuidade no mesmo local, acabou servindo mesmo foi para comemorar a decisão do prefeito paulistano, Fernando Haddad (PT), que havia garantido, poucos dias antes, em Parelheiros, que a feira ficaria.  A decisão foi consolidada na assinatura do Decreto Municipal 55.434, de 22 de agosto, autorizando “a instalação das feiras orgânicas e feiras de produtos de transição agroecológica em equipamentos esportivos da Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação”.

Segundo declarou o prefeito, durante comemoração dos 100 anos de feiras livres em São Paulo, no dia 25 de agosto, “o decreto anterior (que proibia feiras livres em equipamentos esportivos) tinha um entendimento legal e meramente burocrático de impedir a instalação das feiras livres nos nossos centros esportivos municipais e comunitários, ideia  contraditória com um Centro Esportivo, que é um local onde se pratica esporte em proveito da promoção da saúde, e uma feira livre, sobretudo uma de orgânicos, dialoga com a agenda do esporte imediatamente”.

Comemoração com o prefeito

Amanhã, sábado, dia 30 de agosto, às 10h, durante a realização da Feira do Produtor Orgânico do Modelódromo, o prefeito será recebido com festa pelos agricultores, que há um ano montam suas barracas ali para vender orgânicos para um público adepto da alimentação saudável e que não só contribui para a preservação ambiental, como torna viável a agricultura familiar nas áreas de manancial paulistanas – caso de Parelheiros, bairro limítrofe às Represas Billings e Guarapiranga.

Com a permanência da feira, agricultores que haviam se sentido estimulados a converter sua produção para a agroecologia puderam respirar aliviados. Ernesto Akio Oyama, por exemplo, horticultor em Parelheiros, só tem o Modelódromo para vender sua produção. “Minha certificação orgânica só permite a venda direta ao consumidor”, diz Oyama.

A feira foi instalada há pouco mais de um ano – com anuência da Prefeitura Municipal de São Paulo –, na Rua Curitiba, 292, e, desde então, cerca de 30 barracas de produtores orgânicos são montadas ali, todo os sábados, das 7h às 13h, para vender hortaliças, frutas, legumes, pães, bolos, laticínios, sucos e uma gama de produtos cultivados e processados sem o uso de agrotóxicos, adubos sintéticos ou outros elementos químicos, como corantes artificiais, prejudiciais à saúde. Vários eventos – dos quais o mais famoso é o Chef na Feira – também são promovidos ali, gratuitamente.

Entretanto, no início de maio – em uma linha de pensamento oposta à adotada posteriormente por Haddad -, a Secretaria de Esportes, Lazer e Recreação da Prefeitura, responsável pelo espaço do Modelódromo, proibiu sua realização no local. O motivo alegado para o cancelamento da feira, conforme ofício da Secretaria, era “prejuízo às atividades esportivas do equipamento, função legal que deve ser atendida e respeitada. Lembramos ainda que, obviamente em razão de questões técnicas, a legislação atual só prevê a possibilidade de instalação de feiras orgânicas em ruas ou parques municipais”.

Legislação que acaba de ser modificada, por pressão do movimento orgânico paulistano. Ponto para o meio ambiente.

São Paulo ganha mais uma feira orgânica, no Shopping Villa Lobos

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Feira do Villa Lobos funcionará a partir do dia 31 de agosto, todos os domingos, pela manhã. FOTO: LUIZ PRADO/LUZ

Agosto está sendo pródigo com as feiras orgânicas paulistanas. Após a notícia dada semana passada, pela Prefeitura de São Paulo, de que a feira orgânica do Modelódromo, no Parque do Ibirapuera, vai ser mantida até o dia 31 de dezembro no mesmo local (ela funciona todos os sábados, das 7h às 13h), outra boa notícia chega para os paulistanos. A partir do dia 31 de agosto, São Paulo ganha mais uma feira orgânica, desta vez no Shopping Villa Lobos, zona oeste da capital (Av. das Nações Unidas, 4.777, Alto de Pinheiros). Fruto da parceria entre o shopping e a Associação de Agricultura Orgânica (AAO-SP), a feira será realizada no estacionamento descoberto, todos os domingos, das 7h às 13h. Conforme o presidente da AAO, o agricultor e educador ambiental Guaraci Maria Diniz Jr., “a feira será mais uma oportunidade para os consumidores adquirirem produtos orgânicos diretamente dos produtores, incentivando a agricultura familiar, limpa, que não usa agrotóxicos nem adubos químicos e tem como princípio primordial a conservação do meio ambiente – e, em tempos de aguda estiagem, a conservação dos recursos hídricos”.

São mais de 20 produtores orgânicos que estarão representados e que ofertarão hortaliças, frutas e legumes orgânicos, além de laticínios e processados como sucos, pães, geleias, pizzas, bolos e café, entre outros artigos. Diniz Jr. informa, ainda, que durante o funcionamento da feira no Shopping Villa Lobos haverá também um delicioso café da manhã orgânico, a exemplo do que já ocorre em outra feira promovida pela AAO, a do Parque da Água Branca, também na zona oeste.
Com mais esta feira, São Paulo passa a contar com cerca de dez feiras orgânicas. E, em breve, mais uma, no Largo da Batata, será inaugurada. Aguarde novidades. Veja, no Mapa de Feiras Orgânicas do Idec, todas as feiras orgânicas do País e a mais próxima da sua casa, além de grupos de consumo consciente. Você também pode cadastrar alguma feira que, por acaso, não esteja apontada neste mapa. Mais informações sobre a feira podem ser obtidas diretamente na AAO, tel. (11) 3875-2625, e-mail atendimento@aao.org.br.

Mercado interno de orgânicos cresce 35% e alcança pelo menos R$ 1,5 bilhão

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Biofach América Latina, na semana passada, mostrou crescimento do setor de orgânicos. FOTO: SITE BIOFACH

O mercado interno de produtos orgânicos cresceu 35% de 2012 para 2013, representando um volume comercializado de R$ 1,5 bilhão no Brasil. Embora ainda se trate de um faturamento tímido, quando comparado ao principal ator deste mercado mundial – Estados Unidos (com faturamento de US$ 35 bilhões, ou cerca de R$ 70 bilhões), a expressiva taxa de crescimento, em termos porcentuais, anima o coordenador executivo do IPD e gestor do projeto Organics Brasil, Ming Liu, que esteve presente na semana passada, entre 4 e 7 de junho, na BioBrazil Fair/Biofach América Latina – eventos conjuntos voltados aos segmentos de produtos orgânicos, naturais e sustentáveis, em São Paulo (SP).

A regulamentação do mercado brasileiro, a partir da Lei dos Orgânicos, sancionada em 2011, fez com que este mercado crescesse a taxas exponenciais ano a ano. Ainda há muito a ser explorado quando o assunto é orgânicos no Brasil”, diz Ming Liu, em entrevista exclusiva a este blog.

Nos EUA e aqui. Ele tem a certeza de que o que ocorreu nos Estados Unidos, a partir de 1999 – quando se criou legislação federal específica para o segmento de produtos orgânicos –, vai ocorrer em terras brasileiras. “Em 1999, o mercado de orgânicos norte-americano envolvia a cifra de US$ 1 bilhão. E, hoje, 14 anos depois, é de US$ 35 bilhões.”

Num setor repleto de estatísticas parciais e fragmentadas, no qual o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ainda não consolidou o número total de produtores orgânicos do Brasil, produção total e área plantada (ao contrário do agronegócio convencional, pródigo em números e estatísticas, inclusive segmentadas por tipos de cultivo), Ming Liu diz que o Organics Brasil contou com vários indicadores para chegar ao crescimento de 35% por ano.

Mercado de R$ 2 bilhões. “Falamos principalmente com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que faz uma pesquisa anual com a rede varejista e já tem números separados para o segmento orgânico”, diz o executivo. “Este número, porém, está aquém da realidade, pois trata apenas da rede varejista.” Ele lembra, por exemplo, das várias feiras de produtores orgânicos espalhadas pelo País e das inúmeras lojas de produtos naturais e funcionais que vendem um ou outro artigo orgânico e que não entraram nesta conta. Além disso, somente em uma grande rede varejista, Ming Liu comenta que houve crescimento de 45% nas vendas de orgânicos de 2012 para 2013. “Ou seja, acreditamos que só o mercado interno de orgânicos no Brasil já alcance R$ 2 bilhões.”

No mundo, o faturamento global com orgânicos chegou a US$ 64 bilhões em 2013, crescimento de 8% em relação ao ano anterior, conforme revelou o presidente da Federação Internacional de Agricultura Orgânica (Ifoam), André Leu, no 10º Fórum Internacional de Agricultura Orgânica e Sustentável, realizado durante a BiobrazilFair/Biofach América Latina. Depois dos Estados Unidos, com US$ 35 bilhões, os maiores mercados são Alemanha, com US$ 7 bilhões, e Canadá, com US$ 4,4 bilhões, segundo a Ifoam.

Exportações. No segmento de exportações brasileiras de orgânicos, o desempenho também tem sido crescente. “Temos, comprovadamente, um número de exportações de US$ 130 milhões em 2013, ante US$ 110 milhões em 2012”, diz Ming Liu, referindo-se às exportações das mais de 70 empresas produtoras e processadoras de orgânicos abrigadas dentro do Organics Brasil, projeto do IPD, de Curitiba (PR), do qual Ming Liu é coordenador executivo, em parceria com a Agência de Promoções de Exportações (Apex), ligada ao Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC), para prospectar mercados e estimular as exportações de produtos orgânicos processados.

“Este número (US$ 130 milhões), porém, também está aquém da realidade, já que nem todas as empresas que exportam orgânicos participam do Organics Brasil”, diz Ming Liu. E, para saber o número exato, também se esbarra na falta de estatísticas confiáveis. “Há muitas empresas brasileiras que estão exportando orgânicos e não nos comunicam”, diz o gestor. “Estamos tentando buscar esses dados via MDIC, mas por aí também é difícil, pois nas planilhas não há nenhum código que discrimine se o produto é orgânico ou não”, diz Ming Liu, acrescentando que, somente na descrição no produto, na guia de exportação, é que se diz tratar de um artigo orgânico certificado. “Entretanto, seria uma tarefa inviável verificar a descrição de guia por guia para obter essas estatísticas.”

Conversa com o agronegócio. Para tentar reverter este quadro e sensibilizar tanto o governo quanto a iniciativa privada sobre o grande potencial do crescimento do segmento de orgânicos – o que contribuiria para o aprimoramento das estatísticas –, o projeto Organics Brasil tem apostado na transversalidade, ou seja, no relacionamento com segmentos afins, mesmo que não sejam ligados à produção orgânica. “Dentro da Apex, temos participado de reuniões com todos os segmentos do agronegócio, como os exportadores de carnes (bovina, de frango e suína), de cosméticos, de balas e confeitos, de café, de frutas e de vinhos, entre outros. “São cadeias poderosas, e estamos sempre nas reuniões, ‘fazendo barulho’, e já começamos a ser notados.”

Para Ming Liu, a partir do momento em que o segmento puder mostrar números confiáveis – já que o primeiro grande obstáculo, que era a regulamentação do setor, já foi vencido –, o próprio agronegócio convencional vai olhar de outra forma para os orgânicos, como um excelente mercado para se investir.

Mais uma marca de carne orgânica chega ao mercado

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Cortes do traseiro bovino, como maminha, além de picanha, contra-filé e filé mignon, serão comercializados. FOTO: Tânia Rabello

Chega ao mercado mais uma carne bovina sustentável, e já com a promessa de se tornar, ainda este ano, 100% orgânica – ou seja, sem o uso de alopatia nos animais, e sem o uso de adubos químicos e agrotóxicos no pasto, além de ração à base de milho e soja não-transgênicos. Sem contar, obviamente, com o respeito a todas as regras de bem-estar animal, dos trabalhadores envolvidos e ao meio ambiente.

A carne bovina sustentável da marca Korin foi lançada em duas ocasiões este ano: durante a feira da Associação Paulista de Supermercados (Apas), no início de maio, e também durante a BioBrazil Fair/Biofach América Latina 2014, evento voltado a produtos orgânicos, naturais e sustentáveis, realizado entre os dias 4 e 7 de junho, no Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, em São Paulo (SP).

A Korin é marca conhecida principalmente por causa do frango produzido sem o uso de antibióticos ou outros promotores de crescimento e do frango orgânico (os principais produtos da empresa), além de ovos com o selo Certified Humane (que garante o bem-estar animal), hortaliças, frutas, legumes, grãos e processados orgânicos.

Até agora, a única carne bovina orgânica disponível no mercado era a da marca Friboi – que, aliás, há algum tempo não é encontrada nas prateleiras (palavra de consumidora de orgânicos!).

Conforme o diretor-presidente da Korin, Reginaldo Morikawa, a carne sustentável será vendida em todos os cortes do traseiro bovino disponíveis no mercado brasileiro, como picanha, maminha, contra-filé e filé mignon. Já os cortes do dianteiro, tradicionalmente menos valorizados no mercado, serão fracionados em pedaços de 1 quilo, congelados e disponibilizados para grupos de consumo responsável ligados à Korin. “Temos condições de abastecer o mercado com carne de 400 novilhas criadas de maneira sustentável por mês”, diz Morikawa.

Aliás, por que novilhas e não bois gordos, como é de praxe no comércio convencional de carne bovina? O executivo responde: “O fato de preferirmos novilhas também está no conceito de sustentabilidade, já que no Pantanal Sul-Mato-Grossense (origem dos bovinos criados por pecuaristas parceiros para abastecer a empresa), as vacas são extremamente desvalorizadas na hora da venda para o frigorífico”, diz Morikawa. “Só que como a proporção de nascimentos entre machos e fêmeas é meio a meio, preferimos comprar, dentro do projeto de carne sustentável, as fêmeas pelo preço da arroba do boi gordo, como uma forma de estímulo aos pecuaristas-parceiros, que passam a valorizar também as vacas do rebanho.”

Mesmo sendo literalmente carne de vaca, os cortes ofertados pela Korin terão preço são bastante valorizados. “A picanha sustentável, por exemplo, será vendida entre R$ 70 e R$ 90 o quilo, dependendo da margem de lucro do varejista; já o quilo do patinho deve sair por R$ 25 a R$ 30 para o consumidor final.”

O projeto de carne sustentável da Korin tornou-se viável no Pantanal do Mato Grosso do Sul – além do fato de ser um bioma propício à pecuária sustentável e orgânica – por meio de parceria entre a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO), à qual a Korin é associada, e a Embrapa Pantanal, que formulou, juntamente com a Korin, um protocolo de criação sustentável de bovinos. Nesse modelo de criação, “o rebanho convive em harmonia com a fauna e a flora regionais. Os bezerros permanecem com as matrizes até atingir a fase de desmama e são tratados somente com medicamentos homeopáticos e fitoterápicos”, explica Edson Shiguemoto, diretor comercial da Korin.

Com toda esta tecnologia já dominada e no ambiente perfeito do Pantanal Sul-Mato-Grossense, o caminho natural desta carne bovina sustentável – que será vendida em todos os pontos de varejo já atendidos pela Korin – é se tornar, em breve, 100% orgânica. “Entre 90 e 120 dias já teremos disponível a carne bovina orgânica da marca Korin no mercado”, garante Morikawa.

Copa terá quiosques e kit lanches orgânicos

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Produtos orgânicos e da agricultura familiar serão comercializados nos quiosques. FOTO: BIOBRAZIL FAIR 2014

Quiosques com produtos orgânicos e da agricultura familiar são a aposta do Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) para divulgar a agricultura orgânica e familiar do País – dentro do projeto Brasil Orgânico e Sustentável – durante a Copa do Mundo de futebol, que começa no dia 12 de junho. Em São Paulo, um desses quiosques estará montado no Vale do Anhangabaú, no centro da capital, e ofertará produtos de várias cooperativas de produtores.

Segundo o secretário nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do MDS, Arnoldo de Campos, estes quiosques serão montados nas dez cidades-sede da Copa do Mundo, entre os dias 11 e 17 de junho. A informação foi dada por Campos durante palestra no 10º Fórum Internacional de Agricultura Orgânica e Sustentável, realizado no dia 5 de junho, em São Paulo (SP), durante a BioBrazil Fair/Biofach América Latina, evento voltado a produtos orgânicos, naturais e sustentáveis, que prossegue até o dia 7 de junho, sábado, no Pavilhão da Bienal, no Parque do Ibirapuera.

“Não só visitantes estrangeiros, como os próprios brasileiros, poderão tomar conhecimento da produção orgânica e familiar brasileira. “E não é só isso: os 20 mil voluntários arregimentados pelo governo federal para trabalhar durante a Copa receberão um kit de alimentos orgânicos e da agricultura familiar, com sucos orgânicos, castanhas, frutas secas e bolos, em mais uma iniciativa de promoção da alimentação saudável, já que o desafio de erradicar a fome no Brasil já está quase concluído. Temos de partir agora para melhorar a qualidade da alimentação”, disse Campos. Ele lembrou que, enquanto os voluntários da Fifa vão “comer no Mc Donald’s – patrocinador oficial da Copa do Mundo -, os nosso voluntários vão receber produtos orgânicos, naturais e sustentáveis e, ainda por cima, com este projeto, vamos incentivar a produção de mais alimentos deste gênero e o nossos produtores”, ironizou.

As capitais que abrigarão esses quiosques orgânicos são Brasília, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.

Feira de orgânicos do Ibirapuera continua no Modelódromo até 16 de agosto

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Feira de orgânicos do Modelódromo, no Ibirapuera, ocorrerá normalmente amanhã, dia 31 de maio, com evento gratuito sobre gastronomia. FOTO: Facebook da página da feira.

Continua indefinida a situação da Feira do Produtor Orgânico, que é  realizada há pouco mais de um ano, todos os sábados, no Modelódromo, no Parque do Ibirapuera, zona sul da capital. Depois de ter suspenso a feira no início de maio, a Secretaria Municipal de Esportes – responsável pelo espaço –, pressionada pelos consumidores, pelos produtores e, dizem fontes do movimento orgânico paulistano, pelo próprio prefeito, Fernando Haddad, voltou atrás e permitiu que a feira se mantivesse no Modelódromo até no máximo o dia 16 de agosto.

“Este acordo foi feito para que os organizadores da feira pudessem informar ao público a alteração do local. A Secretaria Municipal de Esportes está analisando a possibilidade de liberação do Parque das Bicicletas, em Moema, como já foi feito anteriormente, para a realização permanente da feira. Os outros locais que estão sendo avaliados são os Clubes da Comunidade, que poderiam receber a feira, além da já existente”, informou a este blog a Assessoria de Imprensa da Secretaria.

De todo modo, o movimento orgânico tem se mobilizado para garantir que a feira orgânica permaneça definitivamente no Modelódromo. Em um dos sábados, por exemplo, com os portões do Modelódromo fechados, os feirantes realizaram a feira na calçada, do lado de fora, como forma de protesto. Além disso, na ocasião, foram colhidas mais de 800 assinaturas presenciais pela manutenção da feira no local. Há também um abaixo-assinado virtual, que já contava com quase 2.000 assinaturas até esta sexta-feira.

Chef na feira

Enquanto a situação não fica decidida, a Feira do Modelódromo segue suas atividades normalmente. Amanhã, por exemplo, o evento Chef na Feira volta a ocorrer, gratuitamente, das 10h às 12h, com a presença da chef Tatiana Cardoso, especializada em alimentação natural gourmet do restaurante Moinho de Pedra. Na ocasião, e junto com os produtores, Tatiana vai ensinar pratos naturais e vegetarianos aos frequentadores da feira, dentro do projeto Natural com Arte, que toca junto com seu sócio no restaurante, Felipe Senatore.

O movimento Slow Food, o Instituto Kairós e os feirantes convidam a todos a participar do evento e reforçar o público da feira, para, quem sabe, conseguir reverter a decisão da Secretaria de Esportes.

Onde fica: Modelódromo do Ibirapuera, entrada pela Rua Curitiba, com estacionamento dentro do local. Horário: das 7h às 13h, todos os sábados. A feira conta com mais de 30 barracas que vendem os mais variados produtos orgânicos, entre in natura e processados, além de um simpático café da manhã orgânico.

Disco Xepa começa hoje, em Sampa, contra o desperdício de alimentos

apoie a xepa divulgação

Folder de divulgação da Disco Xepa com alimentos bons para consumo, porém descartados nas feiras livres.

O plano é o seguinte: ocupar um espaço público, ir coletar a “xepa” na feira. Trazer a xepa pro beco, na rua. Daí montar uma cozinha, ligar o som, cozinhar e fazer uma festa! Assim resume Fabiana Sanches, no vídeo Festival Disco Xepa, no Food Revolution Day, o que será a Disco Xepa, evento para alertar sobre o desperdício de alimentos e que começa hoje, quarta-feira, às 19h, no Beco do Aprendiz, na Vila Madalena (Rua Belmiro Braga – entre a Rua Inácio Pereira da Rocha e a Rua Cardeal Arcoverde), e vai até o dia 17, sábado, sempre no beco.

A Disco Xepa é uma ação do movimento Slow Food (contraposição a fast food) no mundo todo, para conscientização quanto ao imenso desperdício de alimentos. Segundo o vídeo, atualmente, no Brasil – o 4º maior produtor mundial de alimentos –, 26,3 milhões de toneladas de alimentos vão para o lixo por ano. “Ou seja, 39 mil toneladas são desperdiçadas diariamente, o que daria para alimentar 19 milhões de pessoas”, diz Fabiana.

E como nós, consumidores, podemos agir para minimizar o impacto desta perda? “Fazendo a xepa, não só na feira, como em supermercados, padarias e outros estabelecimentos que jogam preciosos alimentos fora só porque estão amassados, fora do padrão, mas que continuam com excelente valor nutricional”, ensina Fabiana. “É só perder a vergonha e ir catando. Tem muita comida boa na feira, jogada fora, o que é lamentável.”

Segundo os organizadores da Disco Xepa, que este ano vai para a rua – no ano passado o evento foi realizado no restaurante Dalva e Dito, do chef Alex Atala, onde vários chefs fizeram, num desafio lançado, deliciosos pratos com alimentos descartados –, a “festa” no Beco do Aprendiz vai ser uma diversão consciente, pois tem um propósito para estar acontecendo – a conscientização sobre o melhor uso do alimento.

A programação, totalmente gratuita e absolutamente simpática à participação de todos, como voluntários, começa hoje, das 19h às 21h, com cine-debate, prossegue amanhã (dia 15) e sexta-feira (dia 16), também com cine-debate no mesmo horário, e terá o grande encerramento com a coleta de alimentos da xepa de uma feira próxima e uma cozinha coletiva, onde se aprenderá a preparar e aproveitar vários e valiosos alimentos que, de outra maneira, iriam direto para o lixo.

Não só o movimento Slow Food, mas vários outros coletivos estão envolvidos na realização do Disco Xepa, como o Movimento Urbano de Agroecologia de São Paulo (Muda-SP), responsável pelo cinema e pelos debates. “Os três primeiros dias serão para o público discutir, trocar ideias e já ir levantando o astral para o dia do banquete, no sábado”, diz uma das representantes do Muda-SP, Susana Prizendt. “Já no sábado, a movimentação começa às 10h da manhã, para a preparação do banquete, e todos são bem-vindos.”

Além disso, uma feirinha ecológica será montada, para arrecadar fundos para o próprio evento. O Muda-SP, por exemplo, vai trazer sementes, mudinhas e folders explicando como se tornar um agricultor urbano e passar a produzir e colher parte do próprio alimento.

Além do Muda-SP e do Slow Food núcleo Como Como, participam também o Freeganismo Brasil, o Laboratório de Cozinha Criativa Itinerante, a Rede Aliança Luz de Economia Ecológica, a Carta da Terra, o Coletivo Ideias e o Coletivo Baixo Centro.

A Disco Xepa faz parte, ainda, das ações em torno do Food Revolution Day, criado pelo chef britânico Jamie Oliver, que incentiva que as pessoas retomem o poder sobre o próprio alimento, comprando o máximo possível de alimentos frescos e orgânicos e preparando-os e cozinhando-os em casa, uma verdadeira revolução nos dias de hoje, em que o fast food e os restaurantes por quilo dominam nossa alimentação!

Quem se empolgar com a ideia e quiser colaborar com o evento há também um crowdfunding rolando na internet. E quem quiser participar é só aparecer lá no Beco do Aprendiz e colocar a mão na massa. E na xepa!

Eis a programação:

Programação GRATUITA E VOLUNTÁRIA
(sempre no Beco do Aprendiz, na Rua Belmiro Braga, Vila Madalena)

14 de maio (quarta-feira), das 19h às 21h

Cine-debate
Tema: 2104 – O ano da agricultura familiar. O que o paulistano tem a ver com isso?

15 de maio (quinta-feira), às 19h às 21h
Cine-debate
Tema: Alimentação consciente e responsável. O desafio da prática diária

16 de maio (sexta-feira), às 19h às 21h
Cine-debate
Tema: A economia do desperdício e o paradigma da escassez

17 de maio (sábado), a partir das 10h
Coleta de alimentos na xepa da feira e em outros pontos e preparação do grande banquete, ao som de música e muita diversão.

Prefeitura de São Paulo cancela feira de orgânicos do Ibirapuera

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Feira de orgânicos do Modelódromo já existe há um ano e foi criada com permissão da Prefeitura. FOTO: SITE PARQUE IBIRAPUERA

No sábado passado, 10 de maio, os consumidores de alimentos orgânicos que foram à Feira do Produtor Orgânico do Modelódromo (Rua Curitiba, 292), no Parque do Ibirapuera, tiveram uma desagradável surpresa, pois a Secretaria de Esportes, Lazer e Recreação da Prefeitura de São Paulo, responsável pelo espaço do Modelódromo, proibiu a realização da feira orgânica por ali. Os agricultores orgânicos, porém, avisados de última hora sobre o cancelamento da feira (na sexta-feira à tarde, dia 9), levaram seus produtos e, com o Modelódromo fechado e vazio (a pretexto de a Secretaria de Esportes ter dito que faria um evento para o Dia das Mães ali), fizeram suas vendas na calçada.

O motivo alegado para o cancelamento da feira, conforme o ofício (veja imagem abaixo) da Secretaria, é “prejuízo às atividades esportivas do equipamento, função legal que deve ser atendida e respeitada. Lembramos ainda que, obviamente em razão de questões técnicas, a legislação atual só prevê a possibilidade de instalação de feiras orgânicas em ruas ou parques municipais”.

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O ofício foi enviado à Secretaria de Desenvolvimento, Trabalho e Empreendedorismo (SDTE), cujo secretário, Artur Henrique, vinha tentando encontrar soluções para a manutenção da feira orgânica no espaço, segundo o secretário executivo da Associação de Agricultura Orgânica de São Paulo (AAO), Márcio Stanziani. A AAO, juntamente com o Instituto Kairós e o 5 Elementos, participaram ativamente na organização da Feira do Modelódromo do Ibirapuera, além de outras entidades.

A feira foi instalada há pouco mais de um ano – com anuência da Prefeitura Municipal de São Paulo – e, desde então, cerca de 30 barracas de produtores orgânicos são instaladas ali, todo sábado, das 7h às 13h, para vender hortaliças, frutas, legumes, pães, bolos, laticínios, sucos e uma gama de produtos cultivados e processados sem o uso de agrotóxicos, adubos sintéticos ou outros elementos químicos, como corantes artificiais, prejudiciais à saúde.

Um desses produtores, Ernesto Akio Oyama, que cultiva hortaliças em Parelheiros (bairro no extremo sul da capital paulista), recebeu na sexta-feira, no meio da tarde, a notícia de que a feira estava cancelada. “A Abast (Supervisão Geral do Abastecimento) me ligou e, sem mais explicações, disse que a feira estava cancelada e que, se eu quisesse mais informações, deveria comparecer na segunda-feira, pessoalmente na sede da Abast, em São Paulo”, diz Oyama, que está indignado, pois, sem a feira, não terá como vender suas hortaliças. “A feira, para nós, começa pelo menos um dia antes. Temos de colher, embalar tudo, para sair daqui de madrugada e chegar lá no Modelódromo antes das 7h”, diz. O único lugar onde Oyama vende suas hortaliças é no Modelódromo, pois sua certificação orgânica só permite a venda direta ao produtor. “Avisar assim, de última hora, é um desrespeito total”, indigna-se Oyama, que esteve no Modelódromo no sábado, com sua produção, para vender aos consumidores. “É uma forma de protesto”, diz Oyama.

Já no sábado anterior a Feira do Modelódromo não foi realizada ali. Foi transferida provisoriamente para o Parque das Bicicletas, em Moema, porque a Secretaria de Esportes alegou que no Modelódromo seria realizado um evento de aeromodelismo que atrairia muita gente, segundo Oyama. “Os produtores ainda tiveram tempo de avisar, por meio de cartazes, aos consumidores, que a feira havia sido transferida”, diz o produtor. “E tivemos informações de que o evento de aeromodelismo estava totalmente vazio.” Conforme Oyama, os consumidores que se dispuseram a ir à feira no Parque das Bicicletas estavam indignados com a transferência e os que compareceram no sábado, dia 10, ao Modelódromo, também mostraram-se indignados.

Agora, as ONGs, abrigadas na Plataforma de Apoio à Agricultura Orgânica no Município de São Paulo, tentam uma audiência com o prefeito, Fernando Haddad, para ver se é possível reverter a decisão. “É bom lembrar que o Haddad, quando era candidato à Prefeitura, assinou um compromisso de apoio à agricultura orgânica no município de São Paulo e, recentemente, há cerca de um mês, reafirmou este compromisso, ao receber produtores orgânicos na Prefeitura”, destaca Stanziani, da AAO.

O pessoal ligado ao movimento orgânico, inclusive, está promovendo um abaixo-assinado pelo Avaaz, pedindo a volta da feira, que já tem quase 500 assinaturas.

A Secretaria de Esportes foi procurada por este blog, e justificou: “A Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreação (Seme) informa que o Centro Esportivo Modelódromo do Ibirapuera não receberá mais a Feira do Produtor Orgânico. A realização da feira interfere no funcionamento do equipamento que é destinado para a prática esportiva e o lazer, gratuitos para a população. No próximo sábado (10) acontece no local o evento “Dia da Super Mãe” em homenagem ao dia das mães. A SEME disponibilizará exclusivamente neste final de semana o Parque das Bicicletas, localizado na Alameda Iraé, 35 em Moema para a realização da feira.”

 

O Davi contra o Golias transgênico

Selo que identifica que o alimento contém transgênicos

Selo que identifica que o alimento ou outro produto contém transgênicos

O cientista José Maria Gusman Ferraz fez parte, por três anos, da CTNBio, a comissão que libera o uso de transgênicos no País. E denuncia a displicência com que as plantas e outros organismos geneticamente modificados são aprovados na comissão. A mais recente aprovação, que Gusman Ferraz considera absurda, é a do mosquito transgênico contra a dengue

Tânia Rabello

Na clínica veterinária da filha de José Maria Gusman Ferraz, em Campinas (SP), não entra ração elaborada com ingredientes transgênicos – sim, já há algumas marcas no País que se propõem a oferecer aos donos de bichos de estimação ração produzida sem grãos geneticamente modificados, principalmente a soja. Não poderia ser diferente, em se tratando do pai que a proprietária da clínica tem. O mestre em Agronomia pela USP e doutor em Ecologia pela Unicamp é um ferrenho crítico em relação à maneira como os organismos geneticamente modificados, os transgênicos, têm sido aprovados no País, no âmbito da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), da qual fez parte por três anos, até fevereiro último. Defensor do “princípio da precaução” – ou seja, que antes da liberação comercial desses organismos sejam feitas pesquisas detalhadas e principalmente de longo prazo para verificar sua segurança, sobretudo alimentar e ambiental –, Gusman Ferraz fez o que pôde para aplicar esse princípio durante os trabalhos da comissão, sem muito sucesso, porém, já que a maioria de seus membros têm a certeza, como ele define, de que transgênicos “não fazem mal”. A CTNBio, criada em 2005, é a responsável pela avaliação e aprovação comercial de todos os transgênicos no País – do milho resistente à lagarta, passando pela soja que não se dobra a herbicidas e pelo feijão que suporta o ataque de um vírus fatal, e, mais recentemente, no dia 10 de abril, do mosquito transgênico que promete acabar com a dengue no País.

Várias dessas aprovações comerciais apresentaram, segundo Gusman Ferraz, relatórios inconsistentes e com metodologia científica falha – muitas delas ocorreram com base apenas no relatório apresentado pela própria empresa produtora do transgênico. Um dos casos mais graves relatados pelo cientista é o da aprovação do feijão da Embrapa – o primeiro transgênico com tecnologia totalmente brasileira e que vai das lavouras diretamente para o prato dos brasileiros, sem escalas. “Os testes apresentados pela Embrapa foram insuficientes para nos deixar tranquilos em relação à efetiva segurança alimentar desse feijão”, alerta. Mesmo já fora da comissão, Gusman Ferraz lutou também para que o mosquito transgênico não fosse aprovado comercialmente – o que ocorreu no dia 10 de abril último –, lançando uma petição no Avaaz contra a aprovação pela CTNBio, sob o argumento de que “os relatórios finais do experimento realizado em campo, visando a verificar a segurança para a população, não estão prontos”, entre outros argumentos. Veja o link com a petição.

Base para essas críticas ele tem. Gusman Ferraz cursou pós-doutorado em Agroecologia pela Universidade de Córdoba, na Espanha; é pesquisador aposentado da Embrapa Meio Ambiente, pesquisador convidado do Laboratório de Engenharia Ecológica da Unicamp e diretor da Associação Brasileira de Agroecologia, além de professor do curso de mestrado em Agroecologia e Desenvolvimento Rural da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). O cientista alerta que a maior parte dos ex-colegas da CTNBio é, em sua maioria, favorável aos transgênicos. Segundo Gusman Ferraz, dos 27 membros titulares da CTBNio e 27 suplentes, “apenas uns sete ou oito” dão a cara para bater e questionam os relatórios apresentados pelas próprias empresas desenvolvedoras de transgênicos. “Apesar de se tratar de uma comissão de doutos, esses relatórios praticamente não são criticados e não se considera a bibliografia advinda de pesquisas independentes”, denuncia, e complementa: “Isso seria o básico a ser feito por qualquer comissão que trata de assunto tão importante e que pode afetar a saúde de milhões de pessoas e o meio ambiente. Ali dentro simplesmente não se aplica o princípio da precaução.”

Nesta entrevista, Gusman Ferraz relata casos absurdos de aprovação comercial de OGMs, cujos relatórios de pesquisa apresentados pelas empresas não passariam, segundo ele, pelo crivo de nenhuma revista científica. “Alguns desses estudos têm coeficiente de variação de mais de 400% em sua análise estatística”, diz. Mesmo sendo minoria na comissão – que aprovou, em 2012, todos os pedidos de liberação comercial de OGMs –, o engenheiro agrônomo não se deu por vencido. Junto com outros colegas da CTNBio, bateu às portas do Ministério Público Federal do Distrito Federal (MPF-DF), além do Congresso Nacional. O MPF-DF acolheu as denúncias contra a CTNBio e passou a promover audiências públicas para questionar o método atual de análise da comissão. Antes, Gusman Ferraz havia tentado, com seus colegas, promover uma audiência pública dentro da própria CTNBio, que foi negada, porém.

O MPF-DF chegou a recomendar à comissão, em outubro do ano passado, que suspendesse as liberações comerciais de OGMs até que fosse garantida a participação da sociedade civil nas decisões do órgão, além de estudos conclusivos sobre o impacto das aprovações dos transgênicos para o meio ambiente e a saúde humana. O procurador da República no DF Anselmo Henrique Cordeiro Lopes abriu, ainda, inquérito civil para investigar possível ilegalidade na liberação comercial de sementes de soja e de milho geneticamente modificados que apresentam tolerância aos agrotóxicos 2,4-D, glifosato e glufosinato de amônio, entre outros herbicidas. A Justiça Federal negou, porém, no dia 4 de abril, pedido do MPF de suspensão imediata do registro de agrotóxicos que tenham como ingrediente o 2,4-D, além do pedido de Lopes que pedia a suspensão da tramitação, na CTNBio, dos processos sobre sementes transgências resistentes a agrotóxicos. O procurador Lopes, porém, já afirmou que vai recorrer da decisão.

Outra iniciativa importante contra o modo de ação da CTNBio foi a denúncia protocolada, em dezembro, pelo deputado Doutor Rosinha (PT-PR) – na Comissão de Ética da Presidência da República e no MPF, o parlamentar acusa oito integrantes da CTNBio de vínculo com o setor privado de biotecnologia, o que incorreria em conflito de interesse na aprovação dos transgênicos pelo colegiado. “Há vários membros da comissão que são ou já foram ligados à indústria de transgênicos e agrotóxicos”, confirma Gusman Ferraz, baseado em uma denúncia na própria imprensa, alertando, ainda, sobre o “compadrio” imperante na CTNBio: “É o caso do mosquito transgênico da dengue, cujos testes em populações humanas foram aprovados, na CTNBio, por pessoas ligadas à mesma universidade que fez os estudos, a USP”, diz. “Estão usando os seres humanos de cobaia, fato que se torna mais grave com a recente aprovação comercial do mosquito transgênico.”

Agora, fora da CTNBio, Gusman Ferraz pretende continuar a contribuir para que ocorram profundas discussões para que as liberações de OGMs sejam precedidas de estudos de longo prazo, obedecendo sempre ao princípio da precaução. “Além disso, que seja feito um monitoramento dos transgênicos no ambiente após sua liberação comercial, o que vai permitir que quaisquer impactos sejam detectados”, diz. E, por meio de sua atuação no Grupo de Estudos em Agrobiodiversidade (GEA), continuará a discutir normas para evitar a contaminação dos plantios não-transgênicos, “principalmente os de sementes crioulas, que nossos agricultores preservam e que de fato vão garantir nossa segurança e soberania alimentar”.

PERGUNTA – Entre as funções da CTNBio está “estabelecer normas técnicas de segurança e pareceres técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos organismos vivos e do meio ambiente, para atividades que envolvam construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de OGMs e derivados”. A CTNBio tem cumprido, efetivamente, essas funções?

JOSÉ MARIA GUSMAN FERRAZ – Sim, só que não a contento. Na questão das normas técnicas de segurança, por exemplo, há diferenças incompreensíveis quando se trata de um experimento de uma empresa e de uma plantação comercial. É o caso do milho: tem uma normativa na CTNBio que diz que, em experimentos, a distância mínima deve ser de 400 metros entre uma plantação em teste e quaisquer outras plantações para evitar o risco de contaminação por meio do pólen de milhos que não estejam sendo testados e vice-versa. Mesmo que o pólen seja levado pelo vento, concordo que se trate de uma distância segura, já que os experimentos são feitos em áreas pequenas e protegidas, então o volume de pólen “contaminante” que poderia atingir lavouras não-transgênicas é pequeno. Só que, em uma plantação comercial, a mesma CTNBio estabeleceu, na Resolução Normativa número 4, uma distância mínima de apenas 100 metros entre uma lavoura e outra. Ou seja, o experimento não pode ser contaminado, já a lavoura comercial não-transgênica vizinha a uma lavoura transgênica pode. Isso significa que a empresa fica bem mais protegida da contaminação dos seus experimentos do que o agricultor familiar ou o que plantou milho convencional que, por azar, viu o vizinho instalar uma lavoura transgênica limítrofe à sua. Eu e mais um pequeno grupo de membros tentamos alertar para isso o tempo todo na CTNBio, sem muito sucesso. Esta questão está sendo, inclusive, julgada pelo Tribunal Regional Federal (TRF), em Porto Alegre (RS), em Ação Civil Pública, com o objetivo de garantir o direito de os agricultores cultivarem produtos livres de transgênicos e também que o consumidor tenha alimentos não-transgênicos quando for sua opção. O próprio Ministério Público Federal (MPF), por meio do procurador da República Jorge Gasparini, defende a ação, reforçando que as atuais regras da CTNBio são insuficientes para evitar que transgênicos cruzem com lavouras de milho não-transgênico, apresentando inclusive várias provas de contaminação no processo. Apesar dessa ação, porém, é incerto se essa regra será efetivamente modificada, dada a pressão contrária das empresas.

PERGUNTA – Principalmente no México há vários casos de contaminação de variedades de milho nativas por milho transgênico.

RESPOSTA – Sim, um fato mais grave ainda, pois o México é o centro de origem do milho. Ali que o milho surgiu e deveria ser garantida a não contaminação. Agora, mesmo que o Brasil não seja um centro de origem, é um centro de dispersão do milho. Quando os portugueses vieram para cá já havia o milho crioulo (semente crioula é aquela que vai sendo melhorada e transferida geração após geração, pelos próprios agricultores, a partir de suas próprias colheitas, representando, por isso, uma grande variabilidade regional da mesma espécie), cultivado pelos indígenas. E essas sementes, hoje, estão sendo contaminadas pelos transgênicos também. Se continuar assim, em breve não teremos sementes não geneticamente modificadas, colocando em risco iminente nossa soberania alimentar.

PERGUNTA – Mas é muito difícil chegar a um acordo dentro da CTNBio, mesmo com uma diferença tão óbvia de critérios?

RESPOSTA – Sim. Mesmo com uma questão tão evidente, como a do milho, é difícil chegar a um consenso. Boa parte dos membros da CTNBio pensa assim (e emposta a voz): “A ciência resolve tudo, a ciência faz tudo, se ela causar problema pode-se criar uma nova tecnologia para resolver aquele problema”. Assim, por causa deste pensamento, é frequente o desrespeito total ao princípio da precaução. Há, por exemplo, várias degravações (todas as sessões da comissão são gravadas e taquigrafadas e podem ser solicitadas pelo público) dizendo que milho crioulo não existe no Brasil e que, portanto, o impacto de uma possível contaminação seria ínfimo. É uma loucura isso. Temos inúmeras variedades de milho crioulo no País e muitas cooperativas de agricultores produzindo este milho para garantir a preservação de suas sementes. Infelizmente, já há várias contaminadas pelo pólen do milho transgênico.

PERGUNTA – No caso do feijão transgênico da Embrapa, aprovado pela CTNBio, parece que a comissão pensa do mesmo modo, pois afirma, no relatório de aprovação, que “o Brasil não é centro de origem nem de diversidade de feijão”. Centro de origem, realmente não é. Mas e de diversidade?

RESPOSTA – Isso está escrito assim mesmo e é outro absurdo. Há inúmeras variedades de feijão no Brasil, mesmo ele não sendo originário daqui. Existem vários estudos evidenciando a grande variedade de feijões crioulos que podem desaparecer ou ser contaminados geneticamente pelo feijão transgênico. Só em uma região de Santa Catarina, um levantamento identificou 55 etno-variedades das três espécies de feijão, sendo 22 de Phaseolus vulgaris (o feijão comum). Além disso, em média, cada agricultor usa 4,75 etno-variedades, das quais 2,25 são de P. vulgaris, o que só evidencia a grande importância da preservação desses feijões crioulos, mantidos pelo agricultor. No Agreste da Paraíba, foram encontradas 18 etno-variedades, citadas como “perdidas” pelos informantes. No Rio Grande do Sul, há mais de 60 variedades de feijão crioulo, e no Paraná este número também é imenso, e isso se repete em todos os Estados. Apesar dessas evidências e estudos, muitos membros da CTNBio dizem que esses feijões crioulos não existem, pensando apenas, talvez, nas variedades comerciais, de grande escala, que atualmente são poucas, como o feijão carioquinha, o jalo e o preto. Mas a aprovação do feijão transgênico pela CTNBio foi um absurdo não só por isso.

PERGUNTA – O que houve de grave além disso?

RESPOSTA – Bem, vamos começar explicando melhor. A tecnologia empregada pela Embrapa para desenvolver este feijão é bastante inteligente e inédita no mundo. Eles não pegaram o gene de outra planta ou micro-organismo e introduziram no DNA da planta, como é mais comum. Em vez disso, alteraram o RNA da própria planta, para que ele inibisse a reprodução do vírus do mosaico dourado do feijoeiro, doença transmitida pela mosca-branca (Bemisia tabaci), uma doença bastante séria e disseminada nos feijoais – embora a própria Embrapa prove, com outros experimentos, que o vírus não é um problema sério quando se utiliza o tratamento adequado da lavoura, com rotação de culturas e manejo integrado de pragas, sem necessidade de usar feijão transgênico. Mas, continuando, o que faz esse feijão transgênico? Impede que o vírus se reproduza na planta, neutralizando a doença. O RNA alterado expressa uma proteína que consegue inibir a multiplicação do vírus do mosaico dourado. Não é nada que venha de fora do feijoeiro. Mas, justamente por ser um RNA alterado geneticamente, ele é muito instável. Pode mudar de repente, depois de estabelecido na planta. Mas este ainda não é o problema mais grave deste feijão da Embrapa.

PERGUNTA – Qual é, então?

RESPOSTA – É o grau de segurança em relação à alimentação, lembrando que o feijão é um prato do dia a dia do brasileiro, que consome cerca de 170 gramas por dia, geralmente junto com o arroz. Para provar que não existe risco para a população, a Embrapa analisou, nos testes de segurança alimentar, apenas dez ratos, que foram alimentados por somente 35 dias com o feijão transgênico, comparado com o não-transgênico. A instituição não apresentou, ou não coletou, dados sobre os efeitos em fêmeas gestantes, muito menos sobre os efeitos em mais de uma geração, previstos na Resolução Normativa número 5, da própria CTNBio. Além disso, dos dez ratos iniciais, utilizaram-se apenas três para as observações em relação a alterações morfológicas – e todos machos, o que também é um absurdo, já que fêmeas e machos, por terem diferenças hormonais, poderiam ter comportamento diverso nos testes. E o mais grave: todos os três que se alimentaram do feijão transgênico da Embrapa tiveram alteração: houve aumento das vilosidades nos intestinos delgado e grosso. Isso pode indicar que o organismo está reagindo para poder absorver mais nutrientes. Pode indicar também que há deficiência de algum nutriente neste feijão. Houve também redução do tamanho dos rins e aumento do peso do fígado desses três ratos. No relatório apresentado pela Embrapa em defesa de seu feijão, alega-se, porém, que essas alterações não são estatisticamente significativas. Mas como se pode obter dados significativos com a avaliação de apenas três animais alimentados por apenas 35 dias? Nenhuma revista científica no mundo aceitaria um trabalho com essa amostragem, mas os cientistas da CTNBio aceitaram. E são os mesmos cientistas que reprovaram, argumentando “deficiência estatística”, o estudo do francês Gilles-Eric Séralini, publicado em 2012 para avaliar os efeitos – desastrosos, com alta incidência de câncer – da alimentação de ratos com milho transgênico. O que se pode dizer é que o conjunto de críticas metodológicas ao estudo de Séralini só ressalta as lacunas e fraquezas científicas com as quais foram liberadas as plantas transgênicas no País, já que nenhuma delas passou por experimentos tão rigorosos quanto os exigidos pelos mesmos membros da CTNBio, ao criticarem o trabalho de Séralini (no site da CTNBio, www.ctnbio.gov.br há o relatório completo sobre a posição da comissão em relação ao trabalho de Séralini). E olha que o estudo de Séralini utilizou 200 ratos, por dois anos. No Parecer Técnico que aprovou o feijão da Embrapa, deixei claro que o estudo apresentado era incipiente para aprovação comercial. E que se devia aumentar o número de repetições para ter dados que pudessem dar confiabilidade a esse novo feijão. Qualquer um faria isso. Não precisa nem ser cientista, basta trabalhar com bom senso e aplicar obrigatoriamente o princípio da precaução. O feijão foi, aliás, aprovado, mas não por unanimidade, porque havia mais pessoas na CTNBio que, como eu, fomos contra. Ideal seria que a comissão recomendasse mais testes de biossegurança e biorrisco, que ela diz que faz, mas não faz, senão não aprovaria um trabalho desses.

PERGUNTA – Com deficiências tão óbvias na pesquisa relativas à biossegurança, por que o feijão foi aprovado, afinal?

RESPOSTA – Por incompetência é que não foi. Todo mundo lá sabe o que é análise estatística. Há outros motivos. Acredito até que, por acharem que a tecnologia é segura, dispensam o princípio da precaução e estudos mais rigorosos – muitos deles previstos nas próprias normas da CTNBio. A maioria dos membros da CTNBio trabalha com biotecnologia, ou seja, tem pesquisas com transgênicos, daí o que transparece é que eles creem piamente que transgênico não tem problema, é seguro. Mas as avaliações são extremamente cartesianas e simplistas: “Se eu isolar e inserir um gene do Bacillus thuringiensis, o Bt (bactéria com propriedades inseticidas, cujo gene é introduzido em vegetais transgênicos, como o milho, para combater insetos como a lagarta), em uma planta, e ela passar a produzir uma proteína tóxica à lagarta, é isso o que me importa”. Como esse gene inserido no DNA da planta pode interagir com outros genes, ou seja, seu modo de ação nos seres humanos, em outras plantas e no meio ambiente, pouco importa ou tem pouca relevância na CTNBio para a aprovação comercial do OGM. Parece que ali se desconhece ou desconsideram os conceitos de epigenética, onde um gene pode ser responsável pela produção de inúmeras substâncias, além de silenciar e disparar outros genes que estavam silenciosos. Outra coisa que contribuiu para a aprovação do feijão foi o ufanismo em torno do assunto. Afinal, a Embrapa é uma empresa nacional, cuidando do feijão, que é um alimento básico da população. Mas aí também está o perigo, pois imagine o nível de segurança, ou insegurança, que você transfere à população. Se o feijão deu problema nos ratos, imagine na população, que consome feijão todo dia? Há ainda o fato de que, por ser requerente, a Embrapa, empresa vinculada ao Ministério da Agricultura e portanto governamental, não está isenta de cumprir os ritos legais. Pelo contrário. Ela tem a obrigação de ser ainda mais cautelosa, pois teoricamente as questões sociais, ambientais e de saúde devem ser sua prioridade, uma vez que ela não pode dar prioridade ao lucro pelo lucro. Em suma, esta é a aprovação mais absurda que eu vi nos meus três anos de CTNBio.

PERGUNTA – Já há o desenvolvimento também do arroz transgênico, não?

RESPOSTA – O arroz só não foi aprovado até agora porque não tem mercado. Foram os próprios arrozeiros que seguraram a liberação. Mas é só ter mercado, que será liberado. É questão de tempo. Aí teremos arroz e feijão transgênicos no prato do brasileiro. E não é só isso. Outra coisa maluca, que está na fila de aprovação comercial e com grande pressão por parte das empresas desenvolvedoras de transgênicos, é o sorgo transgênico, resistente ao herbicida glifosato. A aprovação seria absurda porque o sorgo cruza com quase todas as gramíneas que existem no Brasil. Então você imagina, se liberar o sorgo resistente ao herbicida, e esse sorgo cruzar com outras espécies, elas herdarão essa característica. E vai ficar impossível controlar esses “matos“ resistentes. É um risco sério. A não ser que a indústria dos transgênicos e dos agrotóxicos (que é a mesma coisa) tenha na manga da camisa um veneno mais potente ainda, que pode, porém, parar de fazer efeito, como já tem acontecido com o glifosato (o glifosato, herbicida ao qual várias plantas transgênicas resistem, tem se mostrado ineficiente para algumas plantas “daninhas” nas lavouras de soja e milho. A que mais tem causado problemas aos agricultores convencionais é a buva, no Rio Grande do Sul).

PERGUNTA – O sr. cita, em outras entrevistas, que há “compadrio” na CTNBio. Poderia explicar do que se trata?

RESPOSTA – Vou explicar com um exemplo, o da aprovação do mosquito da dengue transgênico. Em primeiro lugar, a CTNBio queria bater o martelo na aprovação comercial do mosquito já na última reunião do ano, realizada em 5 de dezembro, fato que acabou ocorrendo na reunião do dia 10 de abril, infelizmente. Eu pedi vistas do processo e a aprovação foi adiada. Pedi vistas porque o mosquito ainda está em testes – situação que não mudou em 10 de abril. É uma loucura, pela insegurança com que a coisa está sendo conduzida. O mosquito transgênico da dengue é um projeto da Universidade de São Paulo (USP) com uma empresa inglesa, a Oxitec, em parceria com a brasileira Moscamed, pertencente ao governo da Bahia. Esta parceria foi estruturada, entre outras finalidades, para produzir e liberar o mosquito transgênico, que será utilizado no combate à dengue. E, com autorização da CTNBio, liberaram o mosquito em áreas urbanizadas do Nordeste e começaram a fazer testes em populações humanas. O experimento estava sendo feito em Juazeiro e, mais recentemente, também em Jacobina. Agora, você imagina: se eu vou fazer qualquer trabalho científico que envolva seres humanos, mesmo que sejam apenas entrevistas, isso tem de passar por um comitê de ética, tem de ter o consentimento da pessoa que vai ser submetida a este teste. Ela tem de assinar um termo de consentimento. Não havia, em nenhum anexo do processo que eu avaliei, este documento da comissão de ética. A própria pesquisadora da USP, a Margareth Capurro, alegou que desconhecia esta necessidade de termo de consentimento e que isso “deveria ser coisa nova”. Portanto, o estudo não passou por nenhum código de ética previamente, nem da USP, nem de lugar nenhum. Eu acessei esse processo, pedi vistas e indaguei: por que não fazer esse experimento, em vez de no interior da Bahia, no Rio de Janeiro, onde tem dengue, ou no bairro dos Jardins, em São Paulo? Aí argumentaram que, se fosse assim, teriam de dar mais explicações para a população, em razão do diferente nível de esclarecimento de uma região para outra – é a mesma lógica: por que se testam medicamentos na África, no Brasil, e não na Alemanha? A população não tem noção disso. A informação que é passada para ela é a seguinte: isso aqui vai acabar com a dengue e o teste que estamos fazendo não tem problema nenhum para você, é algo para o bem de todos. E quem não quer ficar livre de uma doença onde um parente já teve ou já morreu de dengue? A lista de absurdos continua: ainda nem sequer foram enviados os relatórios finais dos resultados dessa liberação experimental – que já ocorreu na Bahia –, e a empresa já está pedindo a liberação comercial. Liberação que já foi, inclusive, aprovada em uma das subcomissões da CTNBio, com relatório final de outra comissão recomendando sua aprovação, baseado apenas na solicitação da empresa e no entendimento dos relatores de que os estudos (ainda não concluídos!) já são suficientes para a liberação comercial. E, na solicitação de continuidade do experimento, em todo o processo não há nenhuma biografia apresentada que não tenha sido da própria Oxitec, não há biografia complementar, quando se sabe que há inúmeras biografias a respeito do assunto em trabalhos científicos independentes. Além de não apresentar nenhum outro estudo, o membro da CTNBio responsável pelo processo só teceu elogios ao relatório da Oxitec, quando o seu papel, como membro da comissão, deveria ser o de fazer uma avaliação crítica, apontando bibliografias independentes. Foi o que eu fiz no meu parecer, no qual incluí várias discussões e críticas sobre o assunto, que têm sido feitas não só no Brasil, mas no exterior. A maioria dos pedidos de liberação comercial de transgênicos na CTNBio, aliás, é feita assim: com biografia apresentada pelo próprio interessado.

PERGUNTA – Onde está o compadrio neste caso?

RESPOSTA – Bem, o projeto é da USP com a Oxitec, em parceria com a Moscamed. A permissão para a continuidade dos experimentos em Juazeiro foi julgada por um ex-professor da USP, dr. Francisco Gorgônio – sendo que eu pedi vistas ao processo e vi que nele só constava o relatório do sr. Gorgônio, favorável aos experimentos. Já quem assinou o documento final, até por força do cargo, foi o presidente da CTNBio, dr. Flávio Finardi, que também é da USP. Por um princípio ético, deveria haver pesquisadores não ligados à USP avaliando o processo, já que o estudo é da USP em parceria com outras empresas. Aonde está a ética nisso? Evidenciei este procedimento na avaliação do processo na última reunião do ano, citando estes fatos, e o presidente da CTNBio ficou muito bravo e, em tom ameaçador, exigiu que eu me retratasse. Eu não me retratei, porque não estava falando nenhuma inverdade, apenas estava expondo fatos que constam nos processos. Outro fato inusitado neste caso é a rapidez que querem dar para esta liberação. Como se pode entrar com pedido de aprovação comercial do mosquito transgênico na CTNBio se o experimento ainda está acontecendo? Já na reunião de fevereiro, a última da qual eu participei como membro da comissão, foi lido o relatório final, consolidado, recomendando a liberação comercial. Frente, porém, a vários questionamentos, inclusive sobre a falta de relatório de conclusão dos experimentos, o processo acabou não indo para votação final. É bom lembrar, ainda, que a Flórida não aprovou o mosquito; há pedido, ali, para novos estudos. O único país que liberou o mosquito transgênico da dengue para estudo com população humana foi o Brasil. Houve inclusive uma convocação da Organização Mundial de Saúde (OMS) para desenvolver os princípios norteadores para a avaliação dos mosquitos transgênicos, mas que ainda não está concluída. Porém, mesmo enquanto esses assuntos ainda estão em debate, parece que estamos em uma corrida apressada para liberar o mosquito de uma forma imatura. Ou eles já dispõem de uma certeza científica, embora sem a comprovação dos dados, pois ainda são experimentais, ou há uma total desconsideração com a população envolvida e do princípio da precaução, ou a ambos, para esse processo estar sendo conduzido dessa maneira.

PERGUNTA – O sr. citou que frequentemente os processos aprovados contêm apenas estudos das próprias empresas. Pode-se dizer que há resistência dos membros da CTNBio contra estudos independentes?

RESPOSTA – Como quase todos os membros da CTNBio trabalham com transgenia, eles acham, acreditam piamente, que se trata de uma tecnologia segura. Nem aventam a hipótese de não ser segura, embora haja inúmeros estudos indicando o contrário. Mas a CTNBio só vê o outro lado, ou seja os benefícios, sem considerar os riscos. Quando algum transgênico vai passar por avaliação, seus membros simplesmente ignoram os trabalhos contrários, argumentando que os dados são “incipientes”. Eu e um grupo de resistência na CTNBio argumentamos, porém, que se, mesmo com resultados incipientes foi detectado um problema, o ideal é adotar o princípio da precaução e exigir mais estudos. Cientista tem por obrigação fazer isso. Se existe risco de algo apresentar problemas, deve-se fazer novas experiências para checar. A CTNBio, porém, tem por prática desqualificar os trabalhos independentes. E o absurdo é que o mesmo grupo que faz isso é o que desaprova o estudo do Séralini e aprova o estudo do feijão transgênico. Há inúmeros estudos independentes, por exemplo, de que a tecnologia Bt (do B. thuringiensis) reduz a biota e ataca uma série de componentes do solo, já que é um inseticida. Já ouvi argumentos de que o Bt é um micro-organismo que ocorre naturalmente no solo e por isso não seria prejudicial. Só que, em condições naturais, ele existe em concentrações baixíssimas. Imagina uma plantação de milho Bt, onde se faz plantio direto (técnica na qual se utiliza a palhada da cultura anterior como cobertura de solo)? Imagina quanta proteína Bt fica depositada no solo, tanto quando a planta está ali, vicejando na lavoura, como quando ela foi colhida, pois a palhada fica na área e vai sendo absorvida? Daí é óbvio que há alteração na vida do solo, desde a minhoca, passando por vários insetos e micro-organismos. E existe uma grande diferença entre o que é o micro-organismo isolado na natureza e a sua proteína liberada no meio ambiente.

PERGUNTAS – A regra geral é só considerar o que as empresas apresentam de estudos, então?

ESPOSTA – Sim, a maioria. Se avaliarmos cerca de 90% dos trabalhos apresentados para liberação comercial de transgênicos, eles foram feitos pelas próprias empresas ou por instituições contratadas por elas para realizar os estudos. Elas afirmam que a tecnologia que elas mesmas criaram não tem problema, que todos os testes foram feitos. Lógico que a empresa legitimamente tem este direito. Mas cabe à CTNBio contrapor os trabalhos da empresa a outros trabalhos independentes, tanto contrários quanto a favor. Pode existir um trabalho em que a empresa diz que a biota do solo não é afetada. Aí vem um membro da CTNBio que apresenta outro trabalho dizendo o contrário. E daí? Qual deles está valendo? Nestes casos, defendo a necessidade de mais estudos para verificar isso, e não ficar só considerando o relatório da própria empresa interessada na aprovação do transgênico. Outro absurdo é o conceito de equivalência substancial, onde se fazem testes em laboratório com transgênicos de uma maneira que não ocorre na realidade da lavoura. Por exemplo: se é inserido um gene de Bt, que combate lagartas, em uma planta de milho, o normal seria a empresa testar a eficiência inseticida na lagarta com as partes da planta transgênica. Mas os testes são com o próprio Bt, ou seja, não dou a planta para a lagarta comer, que é o que ocorreria normalmente na lavoura. Outro caso são os testes de toxicidade animal. No laboratório eles são feitos com ratinhos que comem a planta transgênica, mas sem esta ter sido pulverizada com herbicida, quando o recomendado seria este rato ser alimentado com a planta que foi pulverizada com o herbicida ao qual apresenta tolerância. Pois, no dia a dia, esta planta será obrigatoriamente pulverizada com o herbicida. E a CTNBio aceita este tipo de teste, embora eu alertava, junto com alguns poucos membros da comissão, que não é daquela maneira que a tecnologia vai ser usada, a tecnologia será usada em uma planta que foi submetida ao uso de agrotóxico. Como ter confiança numa análise dessas?

PERGUNTA – Aprovam-se os transgênicos por efeito inercial? Já que há dez anos eles estão entre nós, no Brasil, e há mais tempo em outros países, sobretudo nos Estados Unidos, acha-se desnecessário levar esses estudos contrários à tecnologia em consideração?

RESPOSTA – Isso é realmente um assunto sério. Não foi feito até hoje, apesar de estarmos há tanto tempo convivendo com os transgênicos, nenhum estudo em relação a causa e efeito. No alimento isso é dificílimo de fazer, pois não dá para culpar o transgênico por alguma disfunção no organismo, já que ingerimos vários tipos de alimentos ao longo do dia. Na Argentina já foi feito um estudo, não em função do que a pessoa comeu, mas em função do efeito ambiental dos transgênicos e dos agrotóxicos sobre as pessoas da região estudada. Aumentou, por exemplo, violentamente, a incidência de câncer, de abortos, e de neonatos com problemas de malformações. São efeitos provavelmente mais relacionados à intensificação do uso de agrotóxicos – que a indústria do transgênico (que é a mesma) argumentava que seria reduzido, o que não é verdade. Ao contrário. O uso de agrotóxico em lavouras transgênicas vem aumentando. Além de o Brasil atualmente ser o campeão em uso de agrotóxicos, pode-se exemplificar isso também verificando o nível de resíduos de agrotóxicos na soja, por exemplo, que vem aumentando. Como a soja é tolerante ao herbicida, não morre, mas vem absorvendo uma carga muito maior do glifosato – já que várias plantas daninhas adquiriram resistência ao herbicida. E há um agravante: o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (Para), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não analisa resíduos de agrotóxicos em grãos, só em hortaliças, frutas e legumes.

PERGUNTA – Outra de suas críticas à CTNBio é que ela passou de órgão consultivo para órgão deliberativo. Poderia explicar melhor?

RESPOSTA – Antes, a CNTBio trabalhava da seguinte forma: ela era consultada sobre determinado evento transgênico antes de sua aprovação e dava parecer favorável ou não à liberação comercial. Depois, o processo seguia para os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente, além da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Ou seja, a questão passava por outras três instâncias para dizer se o evento transgênico seria ou não aprovado. Agora, não. As liberações ficam todas a cargo da CTNBio e os outros órgãos só assinam embaixo. A CTNBio liberou, os outros órgãos liberam também. Portanto, uma volta da CTNBio às suas origens, de instância consultiva, seria muito bem-vinda, pois teríamos mais pessoas e pontos de vista diferentes sendo considerados para a avaliação de transgênicos antes de sua liberação. Além disso, a mudança de quórum para aprovação comercial de transgênicos, que antes era de maioria absoluta, para maioria simples também foi mais uma manobra para acelerar as aprovações dos transgênicos .

PERGUNTA – Por isso que o Ministério Público Federal entrou em ação no ano passado, para tentar coibir essas aprovações desenfreadas?

RESPOSTA – Sim. O que o MPF está tentando fazer é discutir a seriedade da CTNBio. O MPF tem promovido audiências públicas, por meio do procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes. Esse procurador é muito bom, pois é necessário estar realmente preocupado com a saúde da população e com as questões ambientais para enfrentar uma pressão deste tipo e comprar uma briga de tamanha envergadura. Inicialmente nós tentamos solicitar uma audiência pública, dentro da própria CTNBio, para questionar tanto todas essas aprovações quanto os riscos da aprovação da tecnologia 2,4-D, e eles não aceitaram. Aí foi que acionamos o MPF e o procurador Dr. Lopes topou analisar essas questões. Sobre o 2,4-D, o procurador está questionando o risco de aprovação do milho e da soja resistentes a este herbicida (o herbicida 2,4-D é um dos componentes do “agente laranja”, utilizado como desfolhante durante a Guerra do Vietnã. Sua toxicidade gerou milhares de relatos sobre má-formação congênita, câncer e linfomas, além de alterações de hormônios sexuais e das funções da tireoide, e problemas neurológicos. É classificado na Anvisa como “extremamente tóxico”- classe I, produz dioxina como subproduto, outra substância extremamente tóxica). Mas, como o 2,4-D já é um herbicida utilizado no País, a CTNBio entende que não haveria problema em aprovar vegetais transgênicos resistentes a este agrotóxico. Só que o que ela ignora é que o que realmente importa não é o gene modificado na planta, que a torna resistente ao 2,4-D, e sim o impacto que isso vai causar na sociedade e no meio ambiente. Isso tem que ser levado em conta. Afinal, uma tecnologia nova não tem essa assepsia toda. Se eu liberar o 2,4-D, eu sei que ele é mais tóxico, que é mais barato e vai ser utilizado mais amplamente do que o glifosato, sobretudo em regiões onde plantas invasoras já adquiriram resistência a esse princípio ativo. A previsão é de aumento de 40% a 50% no uso do 2,4-D em relação ao glifosato, sendo que a deriva do 2,4-D em aplicação aérea (ou seja, a distância que as gotículas podem percorrer, dependendo da direção do vento) é bem maior do que a do glifosato por causa da sua composição química. Você aplica aqui e ele pode flutuar quilômetros por deriva, caindo, por exemplo, em uma represa, sobre uma cidade ou plantação, onde ele não é desejado. Por isso a aplicação do 2,4-D é muito mais complicada, por ser mais tóxico e também pelo alto risco de contaminação de locais muito distantes da lavoura-alvo. Então essas questões têm de ser pensadas: no impacto que um agrotóxico tão perigoso vai ter na população, no meio ambiente, na economia, na segurança alimentar, e a CTNBio não avalia isso, não discute isso. Ainda sobre este assunto, tem outro absurdo dento da CTNBio. Vamos supor que a comissão aprove a planta resistente ao 2,4-D e que, em outra etapa, ela desenvolva uma que seja resistente tanto ao 2,4-D quanto ao glifosato (tecnologia já aprovada). Esta nova planta não precisará passar novamente pela CTNBio para liberação comercial, porque ambas as tecnologias já foram aprovadas e, para a comissão, o novo vegetal não representaria perigo. É um absurdo.

PERGUNTA – Você citou, em outra entrevista, que as regras de liberação comercial dos transgênicos, para o meio ambiente, ficaram mais flexíveis dentro da CTNBio. Poderia explicar melhor?

RESPOSTA – É o seguinte: o monitoramento era obrigatório antes da liberação comercial e bem regulamentado quanto ao que teria que ser monitorado. Não tinha escapatória. A empresa que tivesse um OGM liberado para experimento tinha de monitorar como a planta se comportava no meio ambiente em relação à biota do solo, a organismos não-alvo, à saúde da população e à saúde animal, entre outros aspectos. Óbvio que para isso existia um custo, então as indústrias pressionaram para efetuar esses testes somente após a liberação comercial, sob o argumento de que o experimento em questão poderia nem ser um sucesso, nem ir para a frente, então por que analisar tudo isso num OGM que nem sequer seria submetido à CTNBio para aprovação comercial? Aí, com a Resolução Normativa número 10, flexibilizou-se a regra, com a promessa de que, no monitoramento pós-liberação comercial, isso seria mais aprofundado. Ou seja, quando o transgênico estivesse plantado em larga escala. Flexibilizou-se bastante a regra, pois a empresa é que propõe o que pretende monitorar, e pode ainda requisitar o não monitoramento, já que a própria CTNBio chancelou a “segurança” da planta aprovada. Assim, a CTNBio decidiu que a planta pode ser jogada em grande escala no meio ambiente primeiro para depois ver o impacto que ela causa. É mais ou menos como se faz na indústria automobilística, com o recall. Produz-se um número grande de carros e aí vê-se qual componente vai dar problema, o que sai muito mais barato do que checar peça por peça ainda na linha de produção. Fora que o monitoramento exigido é pelo período de dez anos. Mas a soja RR (Roundup Ready), lançada há dez anos no País, por exemplo, uma hora poderá ser substituída pela soja RR/2,4-D. Como a RR não será mais plantada, não tem mais como monitorar… Ou seja, nunca se terá nenhum resultado dos testes desta soja porque ela saiu do mercado e entrou outra no lugar. Um livro lançado recentemente pela Monsanto, com toda a pompa, intitulado “Monitoramento Ambiental – Soja Roundup Ready”, não relata nenhum problema da tecnologia, quando na prática existem vários, como a seleção de várias plantas resistentes à tecnologia, com decorrente necessidade de aumentar a quantidade do herbicida, para ter um controle parcial das plantas “invasoras”, aumento de resíduo do herbicida no grão, redução da fixação biológica, aumento da incidência de câncer e de malformações em neonatos, contaminação de recursos naturais, além de aumento do custo de produção. No livro não é relatado nenhum impacto negativo.

PERGUNTA – E sobre as sementes Terminator, que geram plantas estéreis? Como a CTNBio trata a questão? (A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados está avaliando a aprovação dessas sementes transgênicas que não podem ser replantadas após a primeira colheita, pois são estéreis. Há oposição de vários setores da sociedade contra essas sementes, pois, além de obrigar o produtor rural a sempre ter de comprar as sementes para plantio – sem a possibilidade de coletá-las da própria lavoura –, haveria o risco de elas também contaminarem plantas convencionais, tornando, assim, suas sementes estéreis).

RESPOSTA – Se o Congresso Nacional aprovar – e só não aprovou ainda porque vai contra a Lei Nacional de Biossegurança e por pressão da sociedade civil organizada –, a tecnologia Terminator passa tranquilamente pela CTNBio. Não existe a menor chance de a comissão barrar, isso é óbvio. Basta pegar todos os processos que entraram para liberação comercial de 2012 para cá. Absolutamente todos passaram. Conheço o “eleitorado” da CTNBio. Só que a comissão vai aprovar uma tecnologia em que o agricultor vai ficar extremamente dependente da semente oferecida pela indústria, já que não poderá aproveitar sementes da própria lavoura. Isso compromete nossa biossegurança e nossa segurança alimentar.

PERGUNTA – Você já sofreu algum tipo de pressão por parte da indústria?

RESPOSTA – Eles não precisam pressionar a gente, pois já têm todo apoio possível, dentro da CTNBio e pelas flexibilizações das normas que foram efetuadas. Quem se preocupa com o princípio da precaução na CTNBio é minoria. Ela nem se preocupa em nos pressionar.

PERGUNTA – Os representantes da indústria podem ficar ali, conversando diretamente com os conselheiros durante as sessões, fazendo lobby?

RESPOSTA – Podem, porque as reuniões são abertas ao público em geral. E fazem pressão mesmo, principalmente em cima dos assessores responsáveis por montar os processos. Alguns resistem bravamente a este assédio, mas sofrem por isso. Quando algum assessor mais “simpático“ à liberação de OGMs observa que algum processo está em perigo de perder a votação e corre o risco de não passar, sai correndo para chamar mais membros da CTNBio, para garantir o quórum. É uma loucura. Vale a pena os jornalistas estarem lá só para documentar esses absurdos.

PERGUNTA – Quando um membro da CTNBio deixa a comissão não se respeita nenhum período de carência até que ele seja contratado, por exemplo, pela indústria dos transgênicos e agrotóxicos?

RESPOSTA – Nenhuma carência, e existem vários exemplos gritantes disso. Há um assessor na CTNBio que trabalhou na Monsanto. Ele era da CTNBio, foi pra Monsanto e agora voltou para a CTNBio. É ele quem prepara os processos e faz todos os trâmites internos. Tem também um professor da Unesp de Jaboticabal, que fazia parte de uma empresa de transgenia que foi comprada pela Monsanto. Pois bem: ele trabalhou durante um tempo na Monsanto, agora voltou para a universidade e para a CTNBio logo em seguida. Então há inúmeros casos assim. Justamente por isso, recentemente, o deputado federal Doutor Rosinha (PT-PR) protocolou uma denúncia contra a CTNBio na Comissão de Ética da Presidência da República e no Ministério Público Federal. Ele acusa oito integrantes da CTNBio, inclusive o presidente da CTNBio , Flávio Finardi, de terem vínculos com o setor privado de biotecnologia, o que pode caracterizar conflito de interesse e até em improbidade administrativa. O deputado está requisitando a saída imediata desses profissionais da CTNBio. (Conforme reportagem publicada no Globo em 22 de dezembro de 2013, dos 8 acusados, 4 são titulares e 4 suplentes. O deputado acusa ainda um assessor técnico de participar de um lobby pró-transgênico na CTBNio. Ainda segundo a reportagem, o presidente da CTNBio, Flávio Finardi, informou, em nota, que tomou conhecimento da representação do parlamentar pelo Globo. Disse que todos os citados se comprometeram a se declarar impedidos em casos que possam caracterizar conflito de interesse).

PERGUNTA – Em que pese o fato de os cientistas da CTNBio serem, em sua maioria, favoráveis aos transgênicos, pode-se dizer que a pesquisa, mesmo não concordando com os transgênicos, fica refém das indústrias?

RESPOSTA – Em muitos casos, sim. Veja como um exemplo a própria Embrapa Meio Ambiente, em Jaguariúna (SP), onde eu trabalhei. Vários laboratórios nossos faziam experimento para a Monsanto. Mas os contratos de “parceria” são assim: os resultados são de propriedade da empresa, no caso, a Monsanto. Ela vai te pagar para fazer esse experimento, você vai liberar e ela vai divulgar isso se for interesse dela ou não. Então, se determinado transgênico tem efeito negativo sobre a biota do solo, com as minhocas, por exemplo, esse resultado nunca vai aparecer, porque a Embrapa pode ser processada se divulgar, pois cabe à contratante escolher o que será divulgado e a indústria não vai divulgar coisa que não é do interesse dela. Outro exemplo de como a pesquisa fica refém das indústrias é a captação de dinheiro externo. Um dos itens que pesam na avaliação de um pesquisador da Embrapa é a captação de recursos externos para pesquisa. Quanto mais o pesquisador captar, maior a pontuação para progressão salarial. Aí é que entram as empresas, que têm capital para investir – leia-se Monsanto, Bayer, Syngenta –, e de uma forma barata, se aproveitando do aparato montado por uma empresa estatal. Este mesmo fenômeno não é restrito à Embrapa, ocorre nas universidades e demais empresas estaduais de pesquisa, inclusive como forma de manter e atualizar laboratórios de pesquisa, que estão sendo sucateados pelo Estado.

PERGUNTA – Quais são suas sugestões para mudar isso tudo?

RESPOSTA – Em primeiro lugar, que fosse de fato respeitado o princípio da precaução do qual o Brasil é signatário. Em segundo lugar, que as próprias normas da CTNBio fossem respeitadas e – como exigido pela própria norma, ressalto –, que sejam realizados estudos de longo prazo e por mais de uma geração. Além disso, que a CTNBio fosse consultiva e não deliberativa. Esta última já tiraria violentamente a força da comissão, deixando-a mais democrática. A CTNBio vai poder liberar comercialmente, mas a aprovação teria de passar obrigatoriamente por outros órgãos: Anvisa e Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Hoje, na teoria, o único órgão acima da CNTBio que pode dizer que determinado transgênico pode ou não pode é o Conselho Interministerial. Como eles nunca se reúnem, a decisão fica toda na mão da CTNBio – o que a comissão fala, eles assinam embaixo. Outra coisa seria voltar ao quórum de antigamente, de maioria absoluta, e não simples, como é hoje, para poder aprovar os transgênicos. A maioria absoluta seria de 75% dos votantes. Aí você obrigatoriamente tem de debater e discutir em detalhes para conseguir a aprovação ou desaprovação de cada processo. Todo mundo teria de ir efetivamente atrás de biografias contra e a favor. Outro fato é um maior rigor na indicação dos membros da CTNBio, não permitindo que aqueles que tenham vínculo com empresas possam ser indicados. Outra modificação é que as sessões deveriam ser transmitidas ao vivo, o que permitiria que as instituições que não podem bancar uma ida para Brasília vejam a reunião e possam se posicionar quanto aos fatos polêmicos que ocorrem. Hoje é tudo gravado e taquigrafado, mas não é ao vivo. Aí a população poderia ver alguns absurdos por ali, como, por exemplo, pesquisador achar que não existe feijão crioulo e falar que “danem-se os passarinhos”, quando questionado sobre o efeito dos transgênicos sobre as aves nativas.

PERGUNTA – As audiências são públicas e quem vai são só as empresas? Há interesse da sociedade civil sobre o tema?

RESPOSTA – O espaço para a sociedade civil estar presente foi conquistado com muito custo, mas a presença da população é muito pequena, pois se necessita de recursos para ir para Brasília acompanhar as discussões e votação. Veja como briga é desigual, pois as empresas têm dinheiro para mandar os seus assessores. Já os movimentos sociais interessados, como o MST e os de pequenos agricultores, não têm. Aliás, se você pegar os movimentos sociais mais aguerridos, que trabalham com o tema agricultura, eles focam apenas nos agrotóxicos e deixam o transgênico de lado, afinal, a população não sabe o que é transgênico, e agrotóxico todo mundo sabe. Então, na visão desses movimentos, se misturarem ambos os temas, a discussão só vai enfraquecer. Eles acham que a prioridade é agrotóxico, mas não percebem que há uma correlação direta entre transgênico e agrotóxico. Na verdade, praticamente todos os vegetais transgênicos aprovados estão correlacionados à aplicação de agrotóxico.

PERGUNTA – E, quando os transgênicos chegaram, lembro-me bem que a indústria argumentava que os transgênicos iriam contribuir para reduzir a aplicação de agrotóxicos.

RESPOSTA – Tudo o que eles disseram foi por terra, basta ver que nos tornamos os principais consumidores de agrotóxicos do mundo. E o custo de produção de uma lavoura transgênica em relação a uma convencional, que era outro argumento da indústria em favor da sua tecnologia, já tem se equiparado também. Outra falácia é a do custo menor, que agora com estudos recentes e uso constante dos transgênicos, também evidenciou-se que não é verdade. Mas o aumento do uso de agrotóxicos é uma realidade.

PERGUNTA – Na sua opinião, o que agroecologia poderia contribuir para reduzir essa demanda por transgênicos por parte dos agricultores?

RESPOSTA – A própria ONU diz que a única maneira de reduzir a fome no mundo seria por intermédio da produção agroecológica. Porque o agronegócio convencional hoje não está plantando alimentos, está plantando commodities. Quem planta comida mesmo é o agricultor familiar. E está crescendo este movimento agroecológico, que tem a proposta de mudar esse cenário, pois se contrapõe a esse modelo insustentável do agronegócio, onde os transgênicos não passam de uma tentativa de manter a mesma lógica de produção. A agroecologia se contrapõe a este modelo, unindo as diversas ciências com o conhecimento tradicional de nossos agricultores e comunidades tradicionais, para propor uma nova forma de produção e comercialização de alimentos, fugindo da cadeia produtiva verticalizada, e concentradora de capital e renda, com a padronização de hábitos alimentares globais. A agroecologia resgata os hábitos alimentares locais e, associado a isso, a cultura da população local, com suas variedades de plantas e animais crioulos, integrando os sistemas de produção e fugindo das monoculturas, que levam ao desequilíbrio dos agroecossistemas. Apoiar a manutenção de produção de sementes crioulas, junto aos agricultores, é outra necessidade básica para manter uma independência das sementes das transnacionais e garantir nossa soberania alimentar, o que também é uma das premissas da agroecologia. Temos hoje um Plano Nacional de Agroecologia, que não é o plano ideal, mas, dentro da conjuntura, é o possível, e representa um grande avanço, conquistado pela sociedade civil organizada e amplamente discutido com o setor público.